No terceiro dia do Intercom Nacional, as duas mesas do V Colóquio Latino-Americano de Ciências da Comunicação trouxeram em suas conversas as atuais problemáticas das utopias e distopias tecnológicas na América Latina. Liberdade de expressão, desigualdades tecnológicas e o lugar dos meios de comunicação populares foram os temas discutidos pela mesa de número 3; e os efeitos da crise atual nas estruturas do capitalismo e neoliberalismo, com questões relativas à empresas de plataforma e seus efeitos sociais, na mesa de número 4.

O tema da terceira mesa “A comunicação digital no popular e no alternativo: utopia ou distopia?” foi debatido por Chiara Sáez Baeza (UCHILE – Chile), Cicília Peruzzo (UERJ) e Washington Uranga (UNSL – Argentina) e mediada por Roseli Fígaro (USP). Os palestrantes deram um panorama do papel das mídias alternativas, pelo contexto histórico de seu surgimento no Brasil durante o período da ditadura militar, e seus objetivos: a garantia de democratização do acesso à informação à população em geral e a independência dos meios tradicionais de comunicação.

Cicília Peruzzo discutiu o significado da comunicação popular e alternativa na cultura digital. Para ela, os meios de comunicação alternativos potencializam a abertura de novos canais, ao mesmo tempo que amplificam vozes cidadãs. Contudo, essa comunicação comunitária depende das condições de acesso à tecnologia por grupos sociais. Para Cicília, é necessário ter cuidado com a fascinação que é fruto da comunicação digital; ao mesmo tempo em que promove uma comunicação comunitária, é instrumento de vigilância e manipulação, por meio de algoritmos e efeitos como a dataficação.  “Começada por uns e continuada por outros, pois é um processo longo”, conclui, sobre a construção das utopias.

Frente a momentos de mobilização e tensão social vividas em manifestações no Chile, Chiara Sáez Baeza pautou sua exposição na importância que as mídias alternativas representam para uma comunicação comunitária como forma de resistência. Esses meios, segundo ela, “são os agentes comunicacionais que vão cobrir as manifestações e denunciar a violência policial e violações dos direitos humanos”. Somada à todas essas formas de opressão, a censura algorítmica é outra maneira de inibir as liberdades civis dos usuários de meios de comunicação digitais. “As plataformas da internet não são neutras”, afirmou Chiara, acrescentando que os algoritmos das plataformas agem como censores, que derrubam contas e não permitem o compartilhamento de determinados conteúdos.

Washington Uranga propôs uma nova frase para compor o tema da mesa: “processo em construção e futuro incerto”. Para ele, é impossível no ano de 2020 falar sobre qualquer assunto que envolva a condição humana sem levar em conta a pandemia. Nesse sentido, reforçou que, junto de todas as desigualdades intensificadas, a tecnológica também impactou a sociedade, já que consequentemente precarizou ainda mais a promoção de direitos civis fundamentais, como o acesso à educação. Para ele, a pandemia de COVID-19 reforça “não só as injustiças estruturais, mas também ressalta a importância da comunicação comunitária e popular para a garantia do direito à comunicação”.

As empresas de plataformas de comunicação no controle: perspectivas de utopias e distopias na América Latina

A quarta mesa do colóquio contou com a presença dos palestrantes Carlos Ossa Swears (UNICHILE – Chile), Adrián José Padilla Fernandez (UFRR) e Rafael Grohmann (Unisinos), com Roseli Fígaro como mediadora. 

“As plataformas deram ao neoliberalismo a capacidade de gerar altas concentrações de conteúdos e produtos intelectuais”, afirmou Carlos Ossa, que discorreu sobre como o conceito de algoritmo é introduzido nos debates da organização dos problemas sociais. Para Adrián Fernandez, o momento atual e todos os elementos que formam esse contexto de pandemia representam uma reestruturação na forma do capitalismo e nas lógicas de organizações sociais. “A propagação do vírus é uma crise de grande impacto que revela a crise do mundo moderno”, referindo-se à crise do capital que, segundo ele, serviu para quantificar as desigualdades que são inerentes ao capitalismo. 

Rafael Grohmann, sobre questões geopolíticas das plataformas, afirmou que a desigualdade de tecnologias e suas aplicações entre países de Norte e Sul globais forma o fenômeno chamado colonialismo de dados. Os países da América Latina são mais fornecedores do que receptores de informação, e um fluxo de dados entre países latino-americanos em direção aos Estados Unidos e Europa surge, influenciando políticas de produção e consumo. “Onde está a América Latina nesse contexto de plataformização?”, questiona. Segundo Rafael, a resposta está na estruturação da economia dos países latinos em uma economia de bicos construída pela plataformização do trabalho. Como citou o professor Adrián, “a América Latina é um território de disputa entre utopias e distopias”.